terça-feira, 1 de junho de 2010

Histórias dos meca (2)

A maioria das equipes tem dois pilotos, um mais experiente, e o novato, rápido e inconsequente. Normalmente, quando você precisa de ajuste fino, você chama o cara experiente. Aí ele vai, acerta o carro, testa coisas novas, deixa tudo um brinco. Depois de acertado o carro, você joga na mão do novato. Ele vai fazer a durabilidade. O garoto vai lá e dá voltas e voltas nas intermináveis sessões de teste.

Um conhecido deste Blog, que já trabalhou com F1, contou uma coisa que ilustra exatamente isso: sempre que havia alguma novidade, o Alonso andava no carro. Depois de tudo pronto, o Nelsinho fazia as simulações de GP, pra ver se a peça nova aguentava o final de semana de corrida todo.

Mas isso tem razão de ser. O piloto experiente sabe onde acelerar, e como não forçar o carro. Dimensionar o carro pra este tipo de piloto não funciona, porque uma pancadinha na largada, uma pegada a mais na zebra, pode quebrar. Por isso o novato anda. Se a peça sobreviver a ele, então aguenta a tudo. E pro novato isso é bom. Ele tem disposição para andar, e com a quilometragem, ele vai aprendendo, vai conhecendo as reações, o que fazer e como.

Tem um problema nessa história. Piloto é uma raça infernal. Ele só quer saber de tempo. Não importa se é uma sessão de durabilidade, o cara quer virar tempo. Se ele for de carro na padaria contra o relógio, vai procurar tempo até subindo na calçada. E piloto novato é ainda pior. Todos os pilotos, todos, assim que abrem a viseira, falam: "quanto eu virei?", seguido de um "quanto os outros estão virando?"

Bom, dessa vez estávamos na terra. Carro novo, ninguém conhecia como o carro funcionava direito. Foi primeiro o piloto experiente da equipe, andou, acertou mola, amortecedor, mapa da injeção, transformou protótipo em um carro de corrida.

Aí entrou o novato, pra fazer a durabilidade. Piloto de rally esperto sempre leva um meca junto nas primeiras andadas. O cara que montou o carro tem que estar junto arriscando o pescoço, pra garantir que ele fez seu serviço direito. Andaram as primeiras voltas, voltaram, enquanto ajustavam os bancos, o meca me cochicha: "vai dar m. Esse aí é cupim de aço."

No pequeno trecho de pista que conseguíamos ver, a diferença era gritante. O experiente realmente contornava as curvas, chegava no salto na velocidade suficiente para pousar, e depois frear. Era tudo na sequência, o pouso seguido da freada, e depois a curva. E apesar de parecer que ele estava passeando, o tempo de volta era perto de 5 minutos e 46 segundos.

Já o novato, vinha todo quadrado, carro de lado, acelerando no pouso, tentando achar tempo onde não dava. Brigava com o carro o tempo todo, parecia que estava no limite mesmo. E o tempo? 5:50, 5:52...

O resultado era claro. Poucas voltas depois, um chamado no rádio. Bandeja de suspensão quebrada. Ótimo, sabíamos onde reforçar. trocamos a peça por uma nova, pra não perder o resto do dia de teste. Era questão de tempo para o novato quebrar uma nova peça.

Mas o meca resolveu o problema. Assim que o piloto parava no apoio, "qual o tempo?" o meca tirava uns 4 ou 5 segundos. "Cara, você tá voando! tá virando 5 e 42! Dá uma segurada aí!" "Não, vou andar dando tudo, pra forçar o carro, eu sempre ando forçando na durabilidade."

Só que a estratégia do meca estava certa. Os tempos de volta reais ficaram em 5:47, mais ou menos. O piloto novato deu uma tirada de pé, andou com mais critério, não procurou mais tempo onde não tinha, e o resultado foi que andamos até o pôr do sol naquele dia. Deu tudo certo, cumprimos a nossa meta de quilometragem, os meca não precisaram trocar mais peças, e o novato saiu de lá se achando um Ayrton Senna da terra...

2 comentários:

  1. Essas suas historias sao muito boas. Adoro piloto arrogante e que nao entende nada sendo zuado pela equipe!

    ResponderExcluir
  2. Se no futebol os jogadores conseguem derrubar o técnico, no automobilismo mecânicos e engenheiros derrubam pilotos...

    Nas categorias top isso deve ser bem complicado hoje em dia, com tantos parâmetros que são monitorados. Mas em categorias de acesso e com menos controle de telemetria, devem ter vários filhinhos de papai que tomam na cabeça quando batem de frente com mecânicos experientes. Imagina como isso acontece com a molecada do kart lá na região de Interlagos...

    ResponderExcluir