sábado, 10 de dezembro de 2011

Setor G... we will (not) miss you...


A sensação é de dever cumprido. É hora de agradecer e aceitar que algo de bom passou em nossas vidas, mas acabou. Pode parecer que não, mas vamos sentir saudades de colocar a mãozinha naquelas grades, mesmo que a grade seja cada vez mais no meio da reta oposta. Vimos muita coisa durante todos esses anos: tinha o Ganso, os espanhóis, a banana de pijama, o homem-aranha gay, a bailarina, os gnomos, o presidiário, o Chapolim, o dono do megafone, o sócio, o cangaceiro, o tio de São Carlos vestido de Penélope Charmosa e tantos... tantos outros que um dia cruzaram nossa frente e foram devidamente xingados. Gente que nem sabe porque está ali, mas são a cara deste lugar. São a face irreverente do brasileiro, do povo alegre que sabe se divertir. Um verdadeiro bando de babacas, isso sim!

Neste lugar aprendemos muito. Aprendemos palavras de ordem que foram entoadas (e certamente serão muitas vezes ainda) seguidamente quase se tornando um mantra local:
- Acorda-cedo!!
- Acordou tarde, tomou café, agora vai ficar de pé!!
- A gostosa sobe, o viado desce!!
- Gaúúúcho... viaaado!!
- Umbigo fundo!!
- Ou simplesmente... vai tomar no $#@!! Sem motivo, sem razão, sem nexo... mas extremamente necessário. Sem isso você não vive, nem sobrevive por lá.

Neste lugar a natureza se vira contra você. Um sol de rachar, que parecem dois, três... um sol pra cada infeliz sentado naquela maldita estrutura tubular de madeira podre. Tubos e tubos de protetor solar, boné, óculos de sol, camiseta no pescoço... ali não há lugar para vaidade, é a pura luta contra o torramento.

Neste lugar o vento vem do sul... aquele que infla as bandeiras e te faz sentir frio mesmo com aquele sol escaldante. E chuva. Chuva... chuva... chuva... A chuva é a cara daquilo tudo. Chuva fina, chuva forte, chuva de pedra, pé d'água, tromba d'água, tsunami. Chuva que um dia fez alguém pensar que os dedos nunca mais secariam. Chuva que vem quando não precisa, chuva que engana todos quando é mais esperada. Chuva que trás emoção, que molha até a cueca, que irrita. Chuva do inferno.

Neste lugar luta-se pelas mais simples necessidades humanas. Comer, beber e fazer suas necessidades fisiológicas. Cada ser humano desse mundo, qualquer um, precisa comer, beber água e ir ao banheiro. Qualquer um. Rico ou pobre, branco ou negro. Todos tem o direito de satisfazer essas três necessidades básicas. Todos. Todos menos os infelizes que escolheram esse lugar. Se um dia você achar que sua vida está uma merda, coma um hamburguer verde, tome uma Nova Schin e passe no banheiro químico para um pips... Você vai ver quem tem coisa muito, mas muito pior do que as piores coisas da sua vida.

Neste lugar impera o caos. Polícia militar com o eterno contingente de guardas despreparados. Pode sentar na última fileira, não pode sentar na última fileira, pode sentar na escada, não pode sentar na escada. Tudo igual. Todo ano. Sempre a mesma zona... mas tudo se acomoda porque brasileiro é assim, alegre, irreverente. Um bando de mal educados e folgados.

Este lugar é o Setor G - Lugar único na terra, na terra de ninguém. Um lugar onde as regras são regidas conforme os espaços vão acabando. Feudos são formados, invasores se aproximam e são enxotados de forma selvagem na visão de um ser comum. Mas para o infeliz do Setor G, é pura cordialidade... desce FDP!

Comecei minha saga em Interlagos em 1990, pelo Setor K (algo similar ao F atual). Tinha 14 anos. Fui com meu tio Julio (tio heroi que assistia os GPs no Rio), tia Marcia a esposa dele e minha mãe, a grande Tia Janete!! Lembro de ouvir no rádio que milhares de pessoas não conseguiam entrar no Setor G, o setor mais popular porque muita gente entrou com isopor e tinha muito ingresso falso. Era a volta do GP Brasil à São Paulo, aquilo estava entupido. Mas foi muito melhor do que eu podia imaginar.

Em 1991 fui só com meu Tio Julio e resolvemos comprar um ingresso mais caro e ficar num lugar melhor. O escolhido foi o miquíssimo Setor C, na frente do box número 13. Não dava pra ver nada, só um vulto a 300Km/h. Da corrida lembro pouco, apenas a agonia das últimas voltas. Mas depois da bandeira eu lembro bem. Pendurado num andaime, consegui ver o Senna todo torto levantando o troféu da vitória, o único pódio que vi ao vivo na vida. De F-1 lógico, porque de Baja já vi um monte.

Então em 1992 pisei pela primeira vez no Setor G. Era igualzinho ao que é hoje! Talvez um pouco maior, sem tantos Paddocks para atrapalhar a visão, mas a mesma estrutura, as mesmas arquibancadas, banheiros, local de comida, a escadaria que leva ao portão de entrada, tudo igual. Mas o lugar era incrível para se assistir a corrida. Uma visão quase completa da pista, só não dava pra ver a largada.

De 92 a 96, dá-lhe Setor G. Num desses anos tem uma passagem bem interessante. Na época da faculdade, eu e o Gonzo estávamos olhando algumas fotos desse periodo quando de repente aparece o Gonzo numa foto que eu tirei. A gente tinha sentado quase que lado a lado no Setor G, uma coincidência absurda se a gente imaginar que alguns anos depois o desconhecido ali seria meu padrinho de casamento.

Em 97 o Setor G foi bloqueado para um patrocinador e tive a primeira experiência no Setor A. Um lugar bom para assistir a corrida mas péssimo para aguentar os chatos. Porque ao contrário do Setor G que você entra por baixo e sobe as escadas, no setor A você chega por cima. Então quando você senta no melhor lugar fica levando chute nas costas o tempo todo. Em 98 voltei para o G, em 99 novamente o A. Realmente não lembro porque.

Mas de 2000 em diante, só deu Setor G. E quanta gente passou por lá. Amigos que foram e ficaram, outros que foram e nunca mais voltaram. Pessoas que estão nas fotos que não tenho a menor idéia de quem são. No total foram 18 anos de Setor G. Dali vimos corridas épicas, corridas incríveis, corridas empolgantes e corridas bem chatas. Foram anos de empolgação dormindo na fila, conhecendo a grande Dona Eurides, acampando no meio da favela, brigando por um espaço na melhor parte da arquibancada... a famosa curva menos 1 mãozinha na grade. Passávamos o ano inteiro esperando por esses dias e quando chegava a hora cada segundo de sofrimento valia como se fosse o melhor momento das nossas vidas, um troféu pela demonstração de paixão pelas corridas. Mas mesmo com essa paixão toda, ao final da corrida, não havia como se questionar a razão de tudo aquilo. Precisava quase se matar daquele jeito?

E ano após ano os questionamentos aumentavam. O grupo foi mudando, foi diminuindo, as namoradas e esposas começaram a acompanhar. O impeto de chegar cedo foi mudando, a grade da curva menos 1 foi ficando cada vez mais longe. E ainda assim era possível assistir a corrida de forma privilegiada. Chuva após chuva, sol depois de sol, a paixão pela corrida seguiu intacta, mas a paciência com o lugar se esgotou.

Em 2011 chegamos ao capítulo final. O grupo ficou pequeno, cansado da mesmice e da falta de perspectiva de melhoras. Se nada mudou desde 1992, porque mudaria para o ano que vem? Pela primeira vez nesses anos todos, todos os Zé Ruelas que resistiram durante esses anos, finalmente se convenceram que era hora de mudar.

Obrigado Setor G!! Você é insuportável, mas é o melhor lugar para se ver o GP Brasil de F-1!! Você fez parte da nossa história mas daqui pra frente vai ser apenas... história.

Um comentário:

  1. Parabens Rafa!
    Parabens por descrever tão bem o setor G e tambem a relação de amor e odio que todos nós que voltamos sempre, ou quase sempre, sentimos por este lugar.
    E parabens pelo texto tão poético.
    Ze ruela tambem é poesia!!!!!

    E que venham as novas formas de curtismos o GP Brasil

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