segunda-feira, 8 de junho de 2009

Dinâmica de Frenagem

Quando fui chefe do sistema de freios na equipe de Mini Baja da EESC, sempre lia nos livros que as rodas do eixo dianteiro devem travar antes das traseiras para que a frenagem seja estável, ou seja, para que o veículo continue com seu eixo longitudinal alinhado com a direção do movimento. Basicamente, quando a roda trava ela perde capacidade de gerar força lateral e, por isso, em caso de travamento das rodas dianteiras, as rodas traseiras gerarão forças laterais que manterão o carro alinhado com o movimento.
Certo dia (certa madrugada na verdade) resolvemos fazer testes de aceleração e velocidade máxima. O freio dianteiro estava meia boca e por preguiça de sangrá-lo novamente, resolvi ir assim mesmo, afinal não precisaríamos fazer frenagens fortes. A piloto era a Maria Clara (a mais leve) e uma garoa leve tinha deixado a pista escorregadia. Ela largou para a primeira passagem e ao final da reta freiou com força. Em décimos de segundo o carro deu 180 graus e parou virado na pista com a piloto de olhos arregalados... Foi ali que vi a aplicação prática dessa teoria!!!
O mesmo princípio se aplica a um carro de F1: coloque muita carga nas rodas dianteiras e pouca na traseira e você terá uma frenagem pouco eficiente; mas coloque mais carga na traseira e você poderá ter instabilidade na frenagem.
No momento da frenagem, devido a posição do cg do carro estar acima do solo (plano em que atuam as forças de frenagem) ocorre transferência de carga para o eixo dianteiro. Para veículos de rua, cuja forças aerodinâmicas são geralmente pequenas, isso significa que a força normal nos pneus dianteiros será algo entre 65-75% da força normal total. Se o pneu for considerado linear, significa que 65-75% das forças de frenagem devem estar na frente. Para um F1, um grande complicador para esta equação são as cargas aerodinâmicas. Se você tem por exemplo 60% do downforce no eixo dianteiro, e como o downforce é proporcional à velocidade, as forças normais nos pneus serão diferentes em diferentes velocidades e, portanto, a distribuição ideal de cargas de frenagens será diferente em uma frenagem a 300km/h, em uma a 250km/h e em uma a 150km/h.
Os pilotos trabalham o tempo todo com esse ajuste. E esse ajuste significa assumir o risco de levar a distribuição a um ponto próximo do limite e ter como resultado ou uma ótima frenagem ou o carro no muro, ou deixar o ajuste em uma posição mais conservadora, não correr riscos, mas também não virar tempo...
Mônaco, não sei por qual motivo (ondulações?, mudanças de qualidade do asfalto ao longo da volta?, mudança de aderência?) a instabilidade em frenagem fica mais evidente.
Não consegui achar todos os links no You Tube porque a FIA tirou os vídeos. Se alguém souber de outras fontes comente aqui ou atualize os links:
- Pole position do Button Mônaco 2009 onboard (ele muda o set up do freio no lado esquerdo do cockpit 4 ou 5 vezes): não achei mais o link;
- Acidente Hamilton em Mônaco 2009 na qualificação (traseira trava primeiro): LINK;
- Acidente Massa em Mônaco 2009 na qualificação (idem): não achei o link;
- Acidente Couthard em Mônaco 2008 na qualificação (idem): LINK;
- Acidente Kimi em Mônaco 2007 ou 2008 na corrida (perde a traseira na saída do túnel e bate no Sutil (acho)): não achei o link.

5 comentários:

  1. Estava lendo o regulamento técnico da F1 divulgado pela FIA para o ano de 2010 e há uma alteração interessante relacionado a este tópico.
    Em adição ao que o CT explicou neste post e relembrando um fato que ele já tinha comentado anteriormente é que este ano com o advento do sistema KERS, por algumas equipes, há um parâmetro a mais no ajuste da distribuição de cargas de frenagem entre eixos dianteiros e traseiros.
    Para que o sistema KERS seja realmente aproveitado ou a capacidade de recarga do sistema não seja limitada pela falta de atrito no eixo traseiro, carros com este sistema devem ser limitados por atrito (não capacidade instalada de frenagem) na dianteira ou "front grip limiteds".
    Já que o sistema KERS impõe uma força adicional de frenagem na traseira a proporção de frenagem na dianteira pode ser aumentada e assim garantir que o limite de frenagem do carro seja dianteiro. Caso contrário, a recarga do sistema KERS não é completa e o carro perde instabilidade traseira durante a frenagem.
    No caso do acidente do Hamilton foi isto que aconteceu, ou seja, o carro ficou limitado por atrito na traseira. Em entrevista ele comentou que a frenagem foi tardia.
    Massa e Kovalainen tb tiveram problemas relacionados a perda de atrito na traseira. O acidente do Massa é claro que foi durante frenagem mas já o do Kovalainen parece ser na saída da curva da Piscina num momento de aceleração (excesso de torque ou força lateral) e não desaceleracão.
    Tanto Ferrari como Mclaren eram as únicas com sistema KERS nesta corrida.
    O ponto que quero destacar é o seguinte:
    O acerto do carro com sistema KERS este ano deve estar muito complicado não só pela menor possibilidade de ajuste da distribuição de massa mas também pelo balanceamento de freios. Não se esqueçam também que com a redução dos aerofólios traseiros, aumento dos aerofólios dianteiros e o aumento proporcional de atrito mecânico dos pneus dianteiros em relação aos traseiros com a eliminação dos "grooves" faz com que o carro tenha a tendência de ser "rear grip limited" complicando ainda mais os carros com KERS.
    Para terminar copio aqui a alteração do regulamento técnico da FIA para o ano 2010 (pág. 35) que comentei no início da mensagem:

    "11.7 KERS brake valve:
    The pressure generated by the driver in the rear brake circuit may be reduced during KERS operation by the use of a brake pressure reducing valve. The valve must be manufactured, installed and operated in accordance with FIA specifications, details of which may be found in the Appendix to these regulations.
    The valve may only be controlled by the ECU described in Article 8.2."

    Abraços,

    Cobra

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  2. Caramba!! Que lindo! Aprendo pra caramba nesses posts técnicos. Por favor, escrevam mais dessas aulas!!

    Agora, que diferença faz ter um fornecedor único de pneus. Senão, a equação poderia ser melhor equilibrada usando pneus mais finos na frente. É isso mesmo?

    Outra coisa, que é uma coisa que eu ainda não tive saco pra ler nos regulamentos, é se é permitido usar pneus macios somente na traseira, ou dianteira. Dava pra brincar bastante com equilíbrio do carro nisso.

    Escrevam mais!

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  3. A equação pode mudar usando pneus mais finos na frente ou borrachas diferentes, mas continua complicada. No passado teve essa história de a Bridgestone (acho) deixar os pneus mais finos na frente, mas acho que o grande motivo foi dinâmica lateral (curvas) e não frenagem.
    Um amigo meu que trabalha em uma equipe me falou que além da diferença de compostos entre dois fornecedores diferentes, também havia diferença na qualidade das informações sobre o pneu e na uniformidade dos pneus (se eles eram sempre iguais ou mudavam de um set para outro). Me ajudem nessa, mas parece que a Renault foi bi-campeã com um fornecedore de pneus e quando mudou zuou tudo, correto? Se isto estiver correto, você conseguem entender qual fornecedor era melhor...

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  4. Gonzo quando li a primeira vez seu comentário pensei: Caramba... Se for pra mudar as dimensões dos pneus que seja então aumentar o traseiro.. e não diminuir o dianteiro.. Sempre mais grip...
    Mas a idéia é correta. Se não pode aumentar o "grip" que melhore então o equilíbrio do carro em relação a capacidade de forças laterais e longitudinais na interação solo-veículo.
    Inclusive esta questão foi levantada pela Bridgestone na mudança da regra mas como as equipes já estavam com os projetos dos novos carros em andamento não foi possível a mudança para este ano. Segundo uma entrevista que li do diretor de desenvolvimento de pneus de competição da Bridgestone, Hiroide Hamashima, o problema oposto aconteceu em 1998 quando foi imposto a adoção dos "grooves" e os pneus traseiros ficaram proporcionamente aos dianteiros com maior área de contato. Para contornar isso os pneus dianteiros na época ficaram mais altos e largos.
    Como a geometria dos pneus é também fundamental para o desenvolvimento aerodinâmico dos carros foi por este motivo que as equipes alegaram estar com os projetos em andamento e não aceitaram a mudança para este ano.
    Durante testes em Março deste ano em Jerez, Espanha a Bridgestone junto com 6 equipes testaram pneus dianteiros mais estreitos.
    Segue o link da entrevista: http://www.formula1.com/news/features/2009/5/9414.html
    Em relação ao segundo ponto de usar compostos diferentes num mesmo set dei uma olhada na regra deste ano e achei o seguinte:

    Neste caso a regra consultada é a de esporte/competição (2009 F1 Sporting Regulations)

    "25.2 Quantity of tyres :
    During the Event no driver may use more than fourteen sets of dry-weather tyres, four sets of intermediate tyres and three sets of wet-weather tyres.
    No driver may use more than two sets of each specification of dry-weather tyre during P1 and P2.
    A set of tyres will be deemed to comprise two front and two rear tyres all of which must be of the same specification."

    Realmente poderia ser uma solução para o problema mas a complexidade dos cálculos deve ser grande. Talvez até pior com o fato de que o desgate entre os pneus seria ainda mais desigual tornando o problema de otimização extremamente variável no tempo mas isso acho que só o amigo do CT que trabalha numa equipe da F1 pode esclarecer...

    Bom fica ai o comentário.

    Abraços

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  5. Fala moçada, legal o post e a discussão melhor ainda. Minhas opiniões inúteis:

    - Largura dos pneus: Gonzo na época das 2 fabricantes (já que aqui não é a Globo, podemos dizer Bridgestone e Michelin, heheh), quem começou a aumentar a largura do pneu dianteiro foi a Michelin, se não me engano foi porque a Williams tinha problemas de aderência lateral (na época eu acahva que a solução era gambiarra, mas faz muito sentido). Essa época era bem mais legal na minha opinião, imaginem hoje que os slicks voltaram e que o grip mecânico voltou a ganhar importância como seria o campeonato se tivéssemos 2 ou 3 fornecedores... No WRC teve muita chiadeira quando a FIA também instituiu um fornecedor único (Pirelli).
    - Renault: foi sim campeã 2 vezes usando pneus Michelin. A Renault era a equipe número 1 da Michelin no desenvolvimento dos pneus (assim como a Arrows foi com a Bridgestone), e até por isso foi a primeira a gerar bons resultados com a borracha francesa. Quando mudaram para Bridgestone perderam a mão no chassis (lembra daquela história do amortecedor inercial? Lembro de ter lido que tinha dedo da Michelin no desnevolvimento do sistema, que guardadas as proporções atuava como os coxins de transmissão devem atuar em um carrode passeio, funcionando em anti-fase com a suspensão e otimizando o contato pneu-solo. Em um carro de passeio a intenção é otimizar o ride entre 8 e 15 Hz, mas em um F1 significari otimizar a aderência dos pneus), mas ao mesmo tempo perderam também Fernando Alonso, e aí o baque deve ter sido demais para eles.
    - Regulamento: eu nunca tinha lido, mas imaginava que o regulamento obrigaria compostos iguais nas 4 rodas, porém isso não impede que a construção ddos pneus dianteiros e traseiros sejam diferentes, e isso faz uma puta diferença na performance dos pneus (lateral e longitudinalmente).

    Pneu é um assunto excelente, mas bem cabeludo. Eu sinceramente fui entender a importância apenas depois que comecei a trabalhar em montadora. Você pode ir do céu ao inferno (e vice-versa) com um simples rodízio de pneus no seu carro de rua ou na copra de um jogo novo, imagine então em um F1?
    Para quem se interessar e não tiver medo de ter pesadelos por noites e noites, leiam o livro do Hans Pacejka (Tire and Vehicle Dynamics).

    Parabéns pelo blog, vou tentar aparecer mais por aqui.

    abraços,

    Munck

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