terça-feira, 4 de setembro de 2012

O piloto que perdeu a mão

Não, não é sobre o Alessandro Nannini. Vou começar o post falando sobre o Roy Salvadori. Ninguém falou nisso nos últimos meses, talvez eu seja o único a levar isso a sério, mas ele morreu meses atrás, na Inglaterra, aos 89 anos. Ninguém comentou por aqui, provavelmente porque ninguém sabe quem foi o cara.

Pois eu explico. Era um piloto de corridas. Inglês, apesar no nome. Os mais fanáticos talvez lembrem que ele foi piloto de grand prix (como era chamada a F1 na época). Aos novatos, o DataGonzo explica que embora houvessem apenas 7 ou 8 corridas que faziam parte do Campeonato Mundial de Pilotos nos anos 50, existiam um monte de outras provas espalhadas por aí. Eram os chamados Grandes Prêmios. Haviam provas em Pescara, Marrocos, Angola, Buenos Aires, além das tradicionais em Nurburgring, Silverstone, e Monza. 

As maiores provas faziam parte do campeonato mundial, e para essas havia um esboço de regulamento técnico a ser cumprido, exceto Indianápolis (sim, as 500 milhas já foi uma corrida do campeonato de F1).   Nas outras provas, o regulamento era bem variado, poderiam misturar esporte protótipos com fórmulas, motores de 8 litros contra 1,5 litros, era uma bagunça só. 

Pois bem, Roy Salvadori dirigia nesse meio. E por ser tão eclético na direção, correu de F1 de 1953 a 1962. Sempre rápido, algumas vitórias, e sempre "misturando" todo o tipo de carro. Correu de protótipos até 1965, quando se aposentou da carreira de piloto profissional. Talvez o seu maior mérito tenha sido a vitória nas 24 de Le Mans com a Aston Martin, em 1959, ao lado de um tal de Carrol Shelby. 

A legenda diz o que é. O crédito da foto é de divulgação da Aston Martin.

Mas o que isso tem a ver com o título do post? Roy se foi com as duas mãos presas ao corpo, felizmente. Em primeiro lugar, uma homenagem ao piloto. E depois dessa introdução cultural vou escrever o real assunto do post: como os pilotos de F1 de hoje se tornaram também uns coxinhas.

Na época do Salvadori, Fangio, Moss, e até mais pra frente, beeem mais pra frente, Andretti, Clark, Stewart, Ickx, Fittipaldi, a coisa era diferente. Os pilotos de F1 podiam (e deviam) correm em outras categorias. Isso era pra não "perder a mão".
Stirling Moss na Mille Miglia de 1955 (Crédito: LAT/Autosport)

O cara era condicionado a manter os reflexos em dia, até por que era uma questão de sobrevivência. Mas o fato de dirigir um carro diferente em condições distintas a cada final de semana tornava o piloto mais sensível a cada reação, a cada soluço do motor, a cada corrigida no meio da curva, por causa de um pouco de areia. 

Hoje, os caras são forçados por contrato a só correrem nos finais de semana de F1. Só podem correr sentados em um F1. Um piloto de corrida de verdade se dedica 100% ao seu carro. Se não pode estar na pista, está no simulador, condicionando seus reflexos. Mas será que isso é o melhor, mesmo?

Kubica era um piloto excepcional, que seria campão do mundo, e seria alguém para combater Vettel, Alonso, e Hamilton. Tão bom que podia exigir em seu contrato que lhe fosse permitido correr de rally. Deu no que deu. Perdeu-se num acidente um grande piloto. E nunca vamos saber o quanto andar de rally fazia de Kubica um melhor piloto, então é uma coisa bem subjetiva. Mas, batendo papo com o Guiga, uns dias atrás, ele me disse que andar na Porsche GT3 Cup, com pilotos de pista como tutores, fez com que ele aprendesse algumas coisas novas que poderiam ser usadas no rally. 

Kubica no Rallye de Montecarlo: a maneira mais divertida de se treinar para andar de F1.
 (Crédito: Photo4/xpb)

Uma prova na pista, sem dúvida que é diferente de uma na terra. Mas uma coisa completa a outra. E tem mais: Arrancada não é considerado automobilismo por muitos. Mas os caras que que saem da linha reta e começam a correr em circuitos, invariavelmente largam muito bem. E se um piloto de pista disputasse umas provas de arrancada para melhorar sua largada? Pode não fazer muito sentido para um piloto de F1, mas com certeza é uma ajuda para um moleque que está saindo do kart e sentando num F3.

Se não dá pra concluir muita coisa com o Robert, vamos falar de outros dois caras: Schumacher e Raikkonen. O primeiro se aposentou, ficou 3 anos fora da F1. O segundo se encheu da vida, e ficou 2 anos fora. Enquanto o primeiro foi cuidar de tratar cachorros e tomar tombo de motos, o outro foi destruir carros no mundial de rally e ainda fez duas provas naquela insanidade da Nascar. Resumindo: um ficou parado e outro continuou brincando de carrinho, sem "perder a mão".

Raikkonen e Schumacher finalmente juntos no pódio, em Valência. 
Quem se deu melhor ao retornar a F1? E por quê?
(Crédito: www.motorsport.com) 

O resultado é que Schumacher penou muito no seu primeiro ano de volta, para conseguir se firmar novamente. Já Raikkonen chegou estourando. Os carros são similares, e sabemos pela quantidade de títulos que o Michael é bem mais piloto que o Kimi. Eu, pelo menos, considero que o retorno do monossilábico finlandês tenha sido bem mais sucedido que o do alemão. Eu, pelo menos, esperava mais do Schumacher. 

Por isso que eu acredito que competir em outras formas do esporte, em outras categorias, é essencial para o desenvolvimento do piloto. Seja num rally de velocidade, numa pista de kart, ou dirigindo um tanque numa pista oval, os caras tem que se diversificar, mesmo com o risco de acidentes. Mas a F1 parece ser importante demais para reconhecer que existe um mundo fora dela...

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