sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Não conta lá em casa

Esse é o título de um programa do Multishow, onde um grupo vai para os lugares do mundo onde ninguém iria. Lugares em conflito, em guerra civil, se recuperando de grandes tragédias, enfim, aquelas viagens que são roubada e dão suas opiniões, no melhor estilo jornalismo Gonzo. Nunca vou ser bom o bastante pra ser jornalista, mas como coisas relacionadas a Gonzo combinam comigo, acabei me metendo numa dessas aventuras.

Tudo começou com um voo cancelado, em maio deste ano. Acabei ficando a pé (literalmente) no aeroporto de Jacarepaguá. Com a dificuldade de se achar hotéis no Rio, acabei me lembrando do velho e bom hotel Monza, e acabei indo pra lá (uhhhhhh.... Mas isso é história pra outro post). O fato é que eram duas da tarde, e eu estava lá, em frente ao autódromo, sem nada pra fazer.

Resolvi andar, tentar entrar no paddock pela última vez. A ideia era ir pela antiga curva norte, contornando o Maria Lenk. O outro interesse era finalmente conhecer o famoso velódromo de Jacarepaguá, com a sua madeira da Sibéria, e se tivesse sorte, ver algum atleta de verdade treinando pras Olimpíadas. De cara, já dei com os burros n'água: meu acesso ao velódromo foi barrado. Os seguranças do complexo olímpico foram realmente muito gentis, é verdade. E não há nenhuma ironia nisso. Os caras foram gente boa, falaram com o superior, e o superior não sabia qual era o procedimento para visitantes.

A verdade é que ninguém se interessa em ir conhecer um elefante branco que é o velódromo de Jacarepaguá. Ficaram 1 hora batendo cabeça, e nada. Por fim, surgiu um procedimento de visita: eu teria que ir pessoalmente ao COB, na Barra, e pegar uma autorização. Vai bem, o esporte brasileiro. Se pra visitar um velódromo tem uma burocracia dessas, imagina um atleta como tem que rebolar pra conseguir um apoio?

Bom, como vi que daquele mato não ia sair visita, resolvi ir mais adiante. Andei mais um pouco, e fui entrando no paddock. Ali, sim, conhecido. Só que bem diferente. Mato bem alto, portão enferrujado, e vigia dormindo em serviço. Sim, dormindo. Quem ia querer entrar num elefante moribundo que é o autódromo de Jacarepaguá?

Entrei sorrateiramente, para não perturbar o sono do moço. Quando já estava a uns 50 metros da velha ponte, ele acordou e me viu. me chamou, e fui falar com ele. Me explicou que o autódromo estava sendo usado (!), para um evento, e que o acesso era proibido, porque haviam pessoas importantes lá dentro, "inclusive Cacá Bueno, esses caras". Bom, devia ser importante, pro Cacá estar por lá. Então meu terceiro objetivo era ver se tinha alguma coisa no RioCentro, mas para isso ia ter que contornar todo o autódromo de novo.

Mas o vigia, mais amigável por ver que eu era um "turista", e não um assaltante, me deu a letra: vai por aqui, ó, mostrando o caminho da Vila Autódromo. A Vila Autódromo. Temor entre 10 em cada 10 automobilistas em Jacarepaguá. A lei sempre foi: "Não erre a entrada, de jeito nenhum. Porque senão você cai na Vila Autódromo. E aí, mermão, já era." Exagero, claro. Mas era uma favela. E mesmo os mais comedidos sempre falavam que a barra lá era pesada mesmo. Eu mesmo cansei de ouvir relatos de pessoas depois dos GPs Brasil, dizendo que foram assaltadas na saída da arquibancada que ficava lá na curva do S.

Perguntei pra ele se não era perigoso, e ele me disse: "Não, é tranquilo. Isso não é mais assim não. Melhorou muito. Agora, é uma favela. E não é pacificada..." Mas aceitei. Então, o trajeto seria esse:


Passando dentro da favela. E a minha missão Gonzo se iniciava.

As imagem acima foi sobre uma imagem do Google Maps. As imagens seguintes, retirei da internet, não tenho os créditos. Servem bem pra ilustrar como é lá.

Voltando a história: Saí do autódromo, e fui pro lado direito, pra circular a área. No começo, tudo tranquilo. Mas já haviam resultados do estrago causado pela mentalidade das últimas administrações municipais. Vi várias casas, na estreita faixa entre o muro do autódromo e o lago, que são hoje oficinas mecânicas. De carros de rua. Mas, pelo estilo, foram um dia mecânicas de carros de corrida. No fundo delas, Gols, Palios, Unos, todos com gaiolas, e que um dia correram na pista. Mas agora estavam expostos ao tempo, enferrujando. Aquelas oficinas viviam de automobilismo, como vivem várias no entorno de Interlagos. Estas, na seca atual, mudaram de rumo, e custam a sobreviver.

Mas o post não é sobre isso, e continuei. Conforme entrava mais no meio da coisa, percebi que como em toda comunidade, existem as pessoas boas e as não tão boas. A associação de moradores promove uma ação para limpeza das fachadas de cada habitação, e de quebra limpam também o lado que seria da calçada do autódromo. E junto com isso, fazem a parte que a prefeitura do Rio deveria estar fazendo. Asfalto, nem pensar. Tudo ali é na base da terra, no máximo um cimento jogado pelos moradores na frente de suas casas. Luz, tem. Água, não sei. Esgoto? É isso aqui, ó:



É esse caldo preto, de um riacho que vem dos lados do morro do camelo, que passa pela vila e termina na lagoa de Jacarepaguá. Um caldo que não deve nada ao Rio Tietê, em São Paulo. Parece até pior.

Continuei andando, e tudo completamente deserto. Mas encontrei um pessoal esquisito, com uma atitude suspeita. Estavam parados, numa quarta-feira a tarde, sem fazer nada. Me olharam com um jeito estranho. Sabia que se viessem na minha direção, estava perdido, e que seria mais um pra contar uma história ruim da Vila Autódromo. Não tinha o que fazer, passei por eles com aquele jeito de quem sabia exatamente para onde estava indo, sem demonstrar qualquer preocupação. Acho que o meu teatro foi bom, porque aqueles quatro caras não falaram nada enquanto eu passava, mas também não me pararam. Só ficaram olhando.


Mais 50 metros, e começaram a aparecer traços de civilização. Já conseguia avistar o setor A, a primeira arquibancada coberta do retão, e sabia que o fim do passeio estava próximo. Vi mais pessoas na rua, mais oficinas mecânicas, os barracos deram lugar a casas de alvenaria, com reboco e pintura. Até por um supermercado eu passei:


Mais e mais gente, mais e mais movimento, e cada vez menos gente "suspeita". Mas sem idealismos, se há traficantes ali, é claro que eles sabiam que eu estava entrando lá. Sabiam desde o momento em que eu saí da portaria do autódromo. Se me deixaram passar, é porque só querem fazer o "serviço" deles. Talvez aqueles quatro homens fossem pessoas mandadas para me ver de perto. Talvez fossem somente 4 desempregados, ou trabalhadores do supermercado em horário de almoço. Sei lá.

Só sei que eu sobrevivi a uma travessia da Vila Autódromo. E que lá só tem gente interessada em cuidar da sua vida. É um pessoal que já estava lá antes de inventarem essa história de Olimpíada, talvez estivessem lá até mesmo antes do autódromo. E que certamente vão ter suas vidas viradas de cabeça pra baixo por causa do grande parque olímpico que será construído ali. 

Essa aqui eu sei quem tirou: Paulo Marcos (Portal IG)

O que isso tem a ver com o blog de automobilismo? Fora dessa lenda dos perigos da Vila Autódromo, eu queria que vocês conhecessem este lado também. Reclamamos que perdemos o autódromo, mas essas pessoas vão perder suas casas. E ninguém está falando nada disso. Esses caras estão lá há mais de 20 anos, e vão ser expulsos de lá, com uma justificativa de que invadiram uma área de preservação. Tudo bem, agrediram o meio ambiente, tá certo. Mas se não se preocupam em realocar estas pessoas, vão pensar em refazer um autódromo? Esquece. Deodoro não sai.

Este é um primeiro post, de alguns ainda que vou escrever sobre a morte do autódromo. Muito pu+o, em ver o esporte tão maltratado. Excelente traçado, corridas fantásticas que vi lá, muitas recordações boas, mas que outros não poderão viver daqui pra frente. Obrigado, Carlos Arthur.

2 comentários:

  1. Percebi agora, mas descobri que o post sobre Jacarepaguá saiu justamente no dia de finados...

    Uma coisa que eu esqueci de comentar é que o tal evento fechado, tão importante era a gravação de um programa de tv, como descobri semanas depois.

    Era a gravação de um quadro pro programa do Luciano Huck, "o pior motorista do Brasil", ou algo assim. Importantíssimo pro automobilismo brasileiro...

    Como disse o Leo abaixo, é estranho o silêncio da Globo. Eles vão perder o seu playground automobilístico perto do Projac. Nada mais de gravações de acidentes de novelas, provas estapafúrdias do BBB, e quadros em programas semanais. Vão ter que achar outro lugar. É, acho que a Globo consegue viver sem isso.

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  2. A Globo nunca vai dizer nada que seja ruim sobre a mafia da olimpiada...
    Parabens pelo texto. Vc não deve nada ao jornalismo Gonzo!!!!

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