Pra quem não viu o começo da
saga, leia a parte 1, a parte 2, e a parte 3 pra entender essa maçaroca toda.
Depois da teoria vista, o básico
é o seguinte: pneu de corrida trabalha em cima da temperatura; mole e aderente
quando quente, duro e solto quando frio. Se esquentar demais, estraga. Ou seja,
existe uma faixa ideal de temperatura para se usar o pneu de forma eficiente:
Lembrando que, por desempenho
defino a capacidade da borracha em suportar cargas de cisalhamento
(longitudinais e laterais). Maior o desempenho, maior o raio no diagrama G-G.
No começo do gráfico, temos as
temperaturas baixas, que geram o graining. Até 2010, os pilotos falavam que isso
era um item crítico para não haver ultrapassagens nas corridas. Os carros eram
dependentes demais da aerodinâmica. Ao se aproximar do carro da frente para
numa curva antes da reta, preparando a ultrapassagem, o piloto perdia carga
dianteira. Sem carga dianteira, o pneu escorrega mais, mesmo estando na
temperatura certa. Com essa escorregada, forma o graining, e aí aquela novela
toda na curva seguinte, escorrega mais, e pneu esfriando. O resultado é que com
os pneus dianteiros nesse estado, não dava entrar colado na curva, e entrava na
reta distante, não pega vácuo, e nada de conseguir passar. Se passar, não
mantém a posição.
Este é um dos motivos pelo qual
os carros mudaram nos últimos anos, com as asas dianteira enormes e traseiras
pequenas, pro ar chegar mais limpo no carro de trás, que fica menos dependente
nas saídas de curva do fluxo limpo à sua frente. A asa dianteira maior dá mais
carga na dianteira, e evita o graining. Nada disso resolveu muito pras
ultrapassagens, o que salvou foi a diferença de composto, mesmo.
Normalmente as condições ideais de
temperatura vêm depois de uma ou duas voltas, e por isso as voltas boas do pneu
estão nessas primeiras voltas. Isso acontece porque a borracha atinge a sua
temperatura de máxima aderência nessa condição, depois deteriora, se desgasta,
e nunca mais atinge essa temperatura ideal. Não tem borracha suficiente se
deformando, acumulando calor, para atingir essa temperatura. Ou é porque a
borracha se degradou. O gráfico ajuda a mostrar:
Então, como prolongar essa vida
útil das voltas boas? Fácil, coloca borracha a mais, aí você vai ter mais
borracha pra gastar na temperatura ideal. Hummmm, não. Se fosse tão fácil assim
eles já teriam feito. Ao colocar mais borracha, vai ter mais banda de rodagem
deformando. Mais deformação, mais absorção de energia, mais calor. A
temperatura acima do esperado na banda (105 a 110º C) vai degradar a borracha,
e aí seu pneu já era pra sempre. Além do que mais borracha, maior raio do pneu,
carro mais alto, detona a (aero)dinâmica como um todo.
E se você colocar uma borracha
mais mole na base do pneu, e depois colocar uma borracha mais dura por cima? O
pneu é feito em peças de borracha vulcanizadas uma na outra, então dá pra
fazer. O composto duro ficaria na parte de fora, que com o calor chegaria na
temperatura ideal. Quando gastar a casca, vai expor a borracha mole que está
por baixo. É pouca borracha, mas como é mole, vai esquentar e funcionar bem por
mais umas voltas! Certo? Não. A borracha mole no meio não vai dar estrutura pro
pneu, e vai esquentar bem mais que a parte externa. Mais quente, mais dilatação
(ou degradação), e vai dar bolha lá no meio.
Não tem jeito, milagre não
existe. Sempre o compromisso, ganha de um lado, perde do outro. Agora vamos
pros finalmentes: Lembram do post dos peaky cars? Pneu também é mais ou menos
assim. Olha uma comparação de desempenho por desgaste de um composto duro
contra um macio:
Os desempenhos são beeeem
diferentes, mas a durabilidade também é. E fazer um piloto andar com os dois
pneus na corrida garantem essa diferença de desempenho que provoca esse monte
de ultrapassagem, junto com o DRS.
Eu sempre achava ridículo forçar
o piloto a usar os dois compostos. Competitividade forçada, injusta e besta. Se
o piloto não pode dar o pulo do gato e tentar fazer a corrida toda com um só
pneu, então para que essa regra?
Um pneu macio aceita mais
desaforo que um duro. Isso quer dizer que as cargas laterais que suporta são
muito maiores. E junto com isso vem as cargas de frenagem, transferência de
carga, as cargas aerodinâmicas, de amortecimento, frequências, tudo mais. A
estratégia de corrida tem de ser feita pesando desempenho e consumo dos dois
compostos, uma variável a mais na equação. Agora volto aos peaky cars. Se um só
pneu fosse usado, toda a suspensão do carro seria desenhada para este único
pneu.
Mas se você obriga o piloto a
usar dois tipos de pneu distintos, permitindo mudanças mínimas de dentro do
carro, aí não dá pra desenhar o carro pro máximo desempenho, e sim para o
compromisso. E esse acho que é o desafio mais legal pro pessoal de dinâmica
veicular durante o final de semana. E pro piloto, que durante a corrida vai
parecer que está andando em dois carros com comportamentos bem distintos um do
outro.
E a linha verde tracejada
representa outro ponto crucial na estratégia da corrida. Saber o quanto rende o
pneu com cada um dos compostos, a perda do desempenho por volta vai determinar
quanto cada pneu vai rodar. Se você amolecer o carro, ele fica mais lento, mas
degrada menos o pneu duro sem mudar muito o desempenho. É como se a linha verde
fosse para baixo (linha amarela). O problema é que um carro mole não funciona
no pneu macio, e a curva vermelha cai junto. Acertar este ponto, a escolha
entre uma, duas ou três paradas e se o carro é melhor com macio ou duro é
difícil.
O mais normal é andar com o
composto macio no começo da corrida, porque é o pneu usado na classificação e
no começo da prova é necessário marcar o terreno. O pneu mais duro vai pro
final da prova, porque a perda de aderência é compensada pela borracha que já
está depositada no asfalto. Mas pode ser que alguém surpreenda, com um pit na
última volta, ou invertendo a ordem dos compostos. Mas ainda se deve considerar
o tráfego, se você soltar seu piloto com pneu duro do box e ele ficar atrás de
um carro mais lento, mas com pneus moles, vai perder tempo. Isso tudo complica
a tática, estratégia, acerto, mas ainda permite o “pulo do gato”.
Não é aquela corrida que eu
gosto, todo mundo larga junto e o mais rápido chega primeiro, sem firulas. Mas
já é alguma coisa. Eu, pelo menos, não vou mais reclamar dos dois compostos
obrigatórios na corrida!
Bom, com este post eu finalmente encerro a minha primeira série do Telecurso Zé Ruela. Tem muito mais coisa para dizer, mas ficaria muito chato e técnico.
ResponderExcluirEspero ter sido entendido pelo monte de informações jogadas aqui. E se não fui claro, se pareceu que escrevi alguma besteira, me corrijam, por favor!
Três novas séries do Telecurso estão no forno! Só que as postagens... essas vão demorar...
boa Gonzo, nao desapareça! eu gosto muito do Telecurso!
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