segunda-feira, 16 de abril de 2012

Pneu PARTE 3 – QUANDO DÁ ERRADO


Hoje tem o terceiro post da série. O fio da meada está aqui (parte 1) e aqui (parte 2). Um pouquinho sobre a formação da temperatura de fora pra dentro, e como isso afeta as corridas. Pra facilitar a vida, não tem cambagem hoje, e a pressão é sempre a ideal. Com isso, vamos ter uma distribuição de temperaturas de fora pra dentro assim:



Isso é pra um pneu já rodando depois de 30 voltas. As temperaturas estão estabilizadas, a região de contato com o asfalto está mais ou menos entre 85 e 95º Celsius (só uma referência, a temperatura ideal muda muito de um F1 pra um FSAE, por exemplo).

Para quem saiu do box, o ideal é andar acelerando gradativamente, até a temperatura se estabilizar, pra depois mandar a bota. Isso todo mundo sabe, de ouvir o Galvão falar. Mas na F1 tem uma coisa chamada mantas térmicas, que pré aquecem o pneu, e já colocam nas condições próximas das ideais para rodar.

Então vamos para o mecanismo de detonação do pneu. Mesmo com a manta térmica, se você calçar uma borracha nova e sair mandando a sapata, sem esperar o pneu se “acomodar” vai acontecer o seguinte: A borracha mais externa vai se esquentar demais, e não vai ter tempo para passar essa temperatura para as camadas mais internas. Lembre que borracha é um isolante térmico. Pois bem, essa quantidade de borracha a 130º C que está em contato com o chão vai se expandir muito mais que a camada interna, ainda nos seus 70º C.

O que acontece? Uma “trinca” em algum lugar onde tenha essa diferença de dilatação. Ou senão uma degradação dos polímeros da borracha, que a torna um pouco mais ressecada. Para visualização, vou seguir a teoria da dilatação:




Só que isso fica meio limitado, a trinca não se propaga pela natureza da borracha. Aí se forma essa bolha, que vimos acima. Com o tempo, a tampa da bolha se solta, e fica um buraco degradado. Más notícias. Seu pneu não tem aderência mais. Não só pela área de contato com o solo perdida, mas também (e principalmente) porque a borracha do seu pneu foi pro beleléu. Ela perdeu as propriedades que fazem dela um composto de corrida, e virou um monte de negro de fumo e borrachas sintética e natural. Já era.



Mas como conseguir fazer subir a temperatura do pneu do jeito certo? Tem alguns jeitos. O primeiro deles é o mais usado até hoje, e o que o Galvão adora falar: é o tal do balé da F1. Andar em zigue-zague aumenta a carga de cisalhamento do pneu, além das cargas laterais. Isso aquece o pneu, ou pelo menos o mantém próximo da temperatura de trabalho. Por isso vemos o balé nas voltas de apresentação e de durante os safety cars. Tem um segundo jeito, que dizem que foi descoberto em Maranello e jogado no ventilador pelo caso de espionagem Ferrari-McLaren, que consiste em trabalhar as paredes do pneu:




Pelo que o desenho mostra, é mais eficiente (ganha temperatura mais rápido sem gastar a banda de rodagem) se você fizer uma sequência de freadas muito fortes (mas sem travar). Isso faz com que os pneus sejam aquecidos em duas frentes, como mostra a figura acima, e mantém a temperatura por mais tempo. Só que é difícil fazer em corrida, porque existe a regra de não deixar o carro da frente abrir muito durante os Safety Cars, e frear forte em volta de apresentação pode dar problema. Foi o Felipe que acertou a traseira do Montoya numa volta de apresentação em Mônaco, por causa de uma freada brusca?

Bom, além das bolhas, tem outros jeitos de dinamitar o desempenho do seu composto. Um deles é "fritando" o pneu. Esse é comum, uma freada acima do normal, e seu pneu ganha uma parte reta. Fica “quadrado”, nos termos do esporte.  O resultado é uma vibração, que pode ser insuportável dependendo do tamanho do estrago. O carro fica inguiável, especialmente se for na roda dianteira, e pode ser necessária uma parada extra.

Tem um terceiro jeito de não trabalhar com o pneu direito, é com a temperatura abaixo da esperada de projeto. Os motivos que o pneu não esquenta são vários, como falta de carga normal, ou composto muito duro para o uso, ou pilotagem suave (entenda-se lenta) demais. Pra última é só trocar o piloto, mas nas primeiras duas tem problema de projeto, ou aplicação do pneu. Aí a responsabilidade é do cara que está lá no box, tentando achar um jeito do carro virar mais rápido.

Como resolver isso eu não vou falar, mas vou dar uma noção do que acontece, de maneira simplificada: como a borracha não chega na temperatura ideal, a aderência não é a mesma. Nas curvas, o escorregamento vai ser maior.  Sabe quando você vai apagar alguma coisa no papel e a borracha solta aqueles cavacos? Bom, o mecanismo é quase o mesmo. Se a borracha fosse mole (ou estivesse mais quente), ela iria se “aderir” ao papel, os cavacos seriam menores ou nem existiriam. E mexer a borracha iria arrastar o papel junto. Enfim, aderência. Não dêem risada, mas olha o graining em uma borracha escolar:


Pro pneu, a mesma coisa. Borracha fria (e dura) se arrastando em cima de uma superfície. O mecanismo é mais ou menos esse daí debaixo:



Eu exagerei no tamanho dos cavaquinhos, pra mostrar o processo, chamado graining. Na verdade, parecem umas tirinhas finas de borracha, mas que funcionam como grãos de areia pro pneu em curva; o pneu se apóia sobre esses rolinhos, que fazem o carro escorregar. Como não tem resistência lateral, não há geração de forças que deformam o pneu, e portanto, nada de geração de calor. Com o pneu mais frio, borracha mais dura, e na próxima curva essa borracha fria vai gerar mais graining, um processo meio chato de reverter.

Mas atenção! O graining é uma coisa mais fina que os marbles, aqueles cavacos grandes de pneu que ficam na parte suja da pista. Marble de F1 é isso aqui:


E isso faz um estrago igual ou pior que o graining. Marbles é a tradução para bola de gude, e efeito sobre o carro é esse mesmo, fica bem solto, o pneu esfria, mas pelo menos depois de umas duas voltas esses cavacos de borracha se soltam e você volta a ter seu pneu limpo. Normalmente acontece depois de uma saída da trajetória ideal, e é péssimo se acontecer num final de corrida, com a pista cheia disso. Eu tenho aqui uma foto antiga que dá pra diferenciar, infelizmente não tenho os créditos. Mas dá pra ter uma idéia:


Os cavacos grandes e grossos, e também sujos, são os marbles, as bolas de gude. Os fiozinhos na parte de fora do pneu, isso é um comecinho de graining.

Pra ilustrar, o bom mesmo seriam fotos. Mesmo se eu as tivesse, não poderia publicar. Mas fiz um desenho, espero que dê pra entender as diferenças de como ficam os pneus:
Da esquerda pra direita, Bolhas (blisters), Quadrado (“fritada”) e graining, o macarrãozinho.


A parte teórica foi essa. Tudo isso foi só pra dar fundamentação pro meu último post da série, que no final era o que eu queria falar. Quando tiver tempo eu coloco no ar esse fechamento. 

3 comentários:

  1. esse pneu sulcado ai parece de fim de prova... "don´t forget to pick up some rubber"!

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  2. Excelente o post Gonzo! Por favor continue postando mais tópicos neste estilo.
    Só para contribuir um pouco... Aparentemente a Red Bull desenvolveu mais duas técnicas para aquecimento de pneu e que ajudariam em muito o desempenho dos carros do Vettel e do Webber em largadas e re-largadas. O primeiro era (novamente) o uso do "exhaust blown-diffuser" e o segundo através de um cubo/cilindro de metal aquecido fixado junto ao disco de freio de todas as rodas quando o carro se encontrava na garagem ou no pit de largada (http://www.formula1.com/news/technical/2011/852/904.html. Algumas "teorias da conspiração" que rolam em fóruns de discussões indicam que o excesso de uso destas técnicas contribuíram para o problema do Vettel na curva 2 do GP de Abu Dhabi ano passado.

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  3. Muito massa Gonzo, parabéns pelo post!

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