quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sertões 2012

Vendo o rally de fora, estou até que me divertindo. Sem preocupação, o rally fica muito interessante. E posso dar uns pitacos de um pouco que eu já sofri naquela região. É que o Rally deste ano tem os primeiros dias muito parecidos com os últimos dias do Rally de 2003. É como se fosse na contramão daquela prova.

Eu tenho arrepios só de lembrar do sofrimento que já passei por aqueles cantos. Mas antes, vou falar de umas coisas curiosas da prova. Por exemplo, o prólogo é a primeira parte do rally. Cada piloto larga com intervalos de 1 em 1 minuto (pode ser menos) para percorrer um circuito de uns 4 km. Como é curto, o trecho é todo controlado. E por ser curto, as diferenças de tempo são muito pequenas. As posições de largada são definidas no prólogo, do nono ao último.

Por isso é que você não ganha nada no prólogo, só perde. Se você for muito afoito e errar, pode sair da pista, ser punido em alguns minutos, ou atolar. Como as diferenças são pequenas, você e seu tempo extra vão te fazer largar lá atrás na etapa do dia seguinte. Vai ter que remar muito, ficar na poeira dos carros pangarés, periga pegar a trilha destruída por facão, ou obstruída por atolados. E vai tomando mais tempo na classificação geral. Quem larga na frente pega a pista limpa, sem poeira, com menos chances de dar errado.

Por isso é que no prólogo, o negócio é ir em um ritmo confortável, pra chegar bem. E os oito primeiros do prólogo? Como fazem para definir a sua posição de largada? Vai ser definida no super prime. O super prime é disputado na noite do prólogo, algumas horas depois. E esse sim, é feito em circuito fechado, em duas pistas paralelas, no estilo do Race of Champions. um carro larga de um lado da pista, faz a volta curta, depois troca de lado na reta, e faz a volta longa. O segundo carro larga no outro lado, faz a volta longa depois a curta. O mais rápido avança.

Os pilotos são pareados dois a dois, e pelas chaves do esquema de mata-mata, disputam as quartas, semi e final. É um show pra galera, o circuito é curto, as duas voltas juntas dá uns 1500 metros, e é feito dentro de uma arena fechada, arquibancada em volta. Todo mundo curte. Quem vence o super prime tem o direito de escolher a sua posição de largada, entre primeiro e oitavo. O segundo lugar escolhe as 7 vagas que restam, e assim vai.

O natural é as posições se manterem: o primeiro larga primeiro, o segundo do prime pega a segunda posição, e assim vai. Este ano, os favoritos Stéfane Peterhansel, multicampeão do Dakar, e Guiga Spinelli, multicampeão dos Sertões, se deram mal. Os carros que foram para a final foram as Triton RS de Christian e Marcos Baumgart, os irmãos da equipe Vedacit / Mitsubishi. Aí, na hora de escolher os lugares, Marcos (vencedor do prime) e Christian (vice) pegaram a segunda e terceira posições.
A Triton RS de Marcos Baumgart Kleber Cincea, vencedores do Super Prime
Foto: David Santos Jr. / Webventure


Ué, e porque isso? Para serem mais rápidos no dia seguinte. Agora é que não faz sentido mesmo. Mas explico. Os Baumgart estão na mesma equipe do Spinelli. O Guiga, que se classificou em terceiro no prime, está com o Lancer Rally, um carro de outro mundo. Alguns quilômetros depois da largada, os Baumgart teriam que parar para deixar o Lancer passar. Porque o Lancer iria chegar rapidinho neles, de qualquer jeito. Então Marcos pegou o segundo lugar, Christian o terceiro, e Guiga largou em primeiro. Com pista limpa, sumiu na frente, e as Tritons nem viram poeira. Acabaram dando passagem na largada para não serem atrapalhados depois.

Então vamos para a primeira etapa, entre São Luiz e Barreirinhas, no Maranhão. A especial aconteceu em um lugar muito bonito, perto do parque nacional dos lençóis maranhenses. Foi a última etapa do Rally de 2003. Naquele dia, um piso estranho (explico abaixo) provocou a derrota do Juca Bala nas motos. Perder o Rally no último dia é dose... O Guiga quase também perdeu nessa mesma etapa, e por sorte foi ajudado pelo Ingo Hoffmann, e pelo Sérgio Barata.

Naquela região tem muitas áreas alagadas, uns afloramentos de lençol freático, não sei explicar direito. Só sei que o piso é arenoso, e mina água do chão. Aí, coisa muito estranha, forma uma camada de areia firme em cima de um colchão de água. Quando o primeiro carro passa, normal, parece piso duro. Mas a vibração do carro "quebra" essa casca de areia dura por cima, e afunda. Vão se formando lagoas, e quanto mais passa, mais cava, mais fundo vai ficando. Esse tipo de piso chama "treme-treme", e só vi isso lá em Barreirinhas, e na Estrada do Inferno, na Lagoa dos Patos (RS). E sempre que eu passei (em rallies) por esses lugares, deu problema. Todo mundo atolado. Este ano não foi diferente:

Estrago com os ATVs na primeira etapa, em Barreirinhas (MA)
Foto: Ricardo Cukier/Webventure

O resultado é que a etapa dos caminhões foi cancelada, e a dos carros teve apenas os primeiros 65 km válidos dos 176 programados. Não sei se o treme-treme foi o principal responsável pelo caos, mas com certeza ele foi personagem da história. É difícil identificar o piso traiçoeiro porque quando você passa no levantamento, geralmente está sozinho, e só quando os vários carros do rally passam é que "a casa cai". Esquisitices que só no Sertões pra acontecer...

A segunda etapa, entre Barreirinhas e Bacabal (MA) também é meio conhecida, muita areia (sem treme treme, dunas mesmo) e muito sufoco. Olha só o estado desse carro aí:

Sherpa atolado de verdade. Será que sai daí?
Foto: Theo Ribeiro / Webventure

Ver carros como este acima é normal praqueles lados. Inclusive, o Gustavão tem uma história boa pra contar, sobre como ele acordou o prefeito da cidade pra pegar a chave da garagem da prefeitura. Pra quê a chave? Isso o cara lá conta, porque este post já ficou grande demais...

Não percam a ótima cobertura do Rally dos Sertões no Webventure. Mas o mais legal é a cobertura bem humorada do pessoal que faz a cobertura nos rallies, que tem este blog aqui. Dá pra ter uma ideia das dificuldades e dos bastidores da prova. Não percam!

Um comentário:

  1. Já que meu nome foi citado, vou ter que contar a história...
    No Sertões em 2003 o nosso carro ficou atolado num desses "areiões". E como era no meio da trilha, tinha que esperar algum tempo depois que o último carro passar pela chegada pra poder entrar seguro com o resgate na trilha. Ou seja, só mais no fim da tarde pra entrar na trilha.
    Como estava atolado na areia e pelo que foi nos informado pelo rádio, não dava pra qualquer carro 4x4 desatolar, tinha que ser bruto, tipo caminhão ou trator.
    Fácil, vamos pedir ajuda pra alguma equipe de caminhão. Mas os caras estavam arrumando os caminhões para o próximo dia, não podiam ir.
    E agora? Vamos arrumar um trator na cidade. (Gonzo, não lembro o nome daquele fim de mundo que a gente tava...).
    Vamos atrás de um trator então. E quem teria um trator pra ajudar? A prefeitura, claro!! Aí comecei a ir atrás do trator da prefeitura. Coloquei um cidadão daquele lugar dentro da carro e saí rodando atrás do motorista do trator. Ele podia ir lá na trilha com o trator, mas precisava abrir a garagem da prefeitura. Achamos o responsável da garagem, mas daí precisava de autorização do prefeito para o empréstimo da trator (Tinha que o gasto da gasolina, óleo, etc). Isso já devia ser pelo menos umas 10 horas da noite. Acordamos o prefeito (ou assessor dele), explicamos a situação e ele autorizou o uso do trator.
    Nada que uma camisa e um boné da equipe (moeda de troca no rally) não pague.
    De madrugada o carro apareceu lá no caminhão pra galera virar a noite arrumando o carro, pra variar.

    ResponderExcluir