No post anterior, eu falei dos problemas em se usar um
terminal rotular em flexão. Mas ainda não dei dicas verdadeiras de solução do
problema. E a coisa boa é que existem várias. Então vamos ver como funciona um
terminal rotular um pouco diferente. Este é visto em quase todas as barras de direção:
Fig 07: Barras de
direção
Isso é usado no mercado. Uai, mas pode? Pode. E qual a
diferença para o outro, que acabamos de ver? Neste caso, a diferença está na
aplicação. Barras de direção trabalham em tração e compressão, a flexão dela é
irrelevante (quem segura a flexão são as rótulas entre as bandejas e os pivôs,
como vimos acima). Pode isso, porque somente temos esforços de tração e
compressão ao longo da rosca, exatamente para isso que ela foi desenhada.
Então se pode usar terminal de direção, vamos a nossa figura
8, que mostra uma solução possível:
Fig. 08: Suspensão
com 3 terminais de direção.
No exemplo acima, temos 3 terminais de direção. Como o
terminal de direção pode ser usado sem restrições, então não tem problema em
fazer assim, certo?
Errado. Se você acha que o desenho acima é certo, então
infelizmente não entendeu nada. Não é o tipo de terminal o problema. É a barra
roscada do próprio terminal trabalhando em flexão que não deve ser usada.
Se você entendeu tudo o que está escrito acima, vai perceber
que o terminal rotular com haste roscada está condenado para esta aplicação.
Mas não está condenado para sempre. Veja um bom uso para ele:
Fig 9: Suspensão tipo
swing axle, um bom uso de terminal rotular de esfera
A suspensão traseira do tipo swing axle usa uma barra de
tração. Como o nome diz, essa barra será submetida a tração, e neste caso, não
há flexão do terminal. É um caso de uso correto do terminal esférico.
Isso tudo entendido, chega de enrolação. Vamos aos
finalmentes, como fazer o jeito certo.
O primeiro tipo de solução é este aqui, com o uso de um
terminal rotular esférico, mas a rosca para montagem fica no corpo do próprio
terminal
Fig 10: Exemplo certo
desenhado
Você já entendeu o porquê de se
conectar a manga a bandeja de suspensão dessa forma. Neste ponto do texto, isto
TEM que te parecer natural. Se ainda não entendeu, releia o post anterior desta série.
Repare que no exemplo acima ainda temos uma pequena mudança
na fixação da bandeja inferior no chassi. Aqui temos um eixo com buchas ao
invés de um terminal rotular com rosca. O princípio é o mesmo: evitar que o terminal
trabalhe em flexão. A bandeja superior mantém o desenho de uso de terminal
rotular, e eu desenhei assim de propósito, seria a única situação que eu
aceitaria numa competição de Baja ou Fórmula se a equipe tivesse um bom motivo
para fazer assim.
E se você não entendeu porque a fixação da bandeja no chassi
é assim, fica de lição de casa. Vai pensar um pouco e veja que realmente o
projeto é mais refinado desta forma. Estou falando em resistência mecânica, não
entro no mérito se o compliance da bucha de poliuretano com bissulfeto que vai
dentro dessa fixação é melhor que a histerese provocada pelo atrito da esfera
metálica dentro do terminal rotular. Aí é assunto pra outra conversa.
E se você ainda acha
que esta solução não vale a pena, então porque a Kawasaki usa isso nos seus
quadriciclos?
Aí você diz: “Tá, mas
isso é pra carro off-road, meu negócio é pista. As cargas de frenagem altas não
são suficientes para quebrar meu terminal.” Mesmo que isso fosse verdade, olha
a bandeja inferior do Dallara F302 (Fórmula 3, modelo 2002):
Fig 12: Bandeja de
suspensão dianteira inferior de um Dallara F3 (Retirada do manual da Dallara)
E esta é a única solução? E se eu quiser ainda ter um pouco
de ajuste? Bom, aí fica um pouco mais complicado, mas é possível. Só é
necessário usar plaquinhas de ajuste. Esses espaçadores ajudam, mas realmente
fica bem mais limitado. É uma solução mais apropriada para os carros de
fórmula, onde a precisão do ajuste faz enorme diferença. Tem projetos
patenteados, que não posso publicar aqui. Mas o princípio da coisa eu posso:
Fig 13: Método de
ajuste de cambagem.
Dependendo do projeto, dá até pra fazer outros ajustes.
Olha, de novo, o exemplo do Dallara F302, como muda a altura do roll center:
Fig. 14: Regulagem de
altura de roll center, manual do Dallara F302.
Estes são projetos comuns no mercado de competição, e existem
alguns até mais simples do que isso. Tem gente que tem uma manga para cada
geometria, e tem gente que consegue fazer tudo isso com poucas peças, usando as
boas práticas da engenharia.
Espero que vocês tenham entendido o que está errado com os
terminais rotulares em flexão, e o que pode ser feito para se arrumar isso. Bajeiros
e formuleiros agora não tem mais desculpa: se aparecerem na competição com esse
projeto, e sem uma boa justificativa, além de tomar nota baixa na avaliação, vão
aprender um pouco sobre orelha puxada trabalhando em flexão...