domingo, 29 de junho de 2014

Rod End in Bending - Parte 2

No post anterior, eu falei dos problemas em se usar um terminal rotular em flexão. Mas ainda não dei dicas verdadeiras de solução do problema. E a coisa boa é que existem várias. Então vamos ver como funciona um terminal rotular um pouco diferente. Este é visto em quase todas as  barras de direção:

Fig 07: Barras de direção

Isso é usado no mercado. Uai, mas pode? Pode. E qual a diferença para o outro, que acabamos de ver? Neste caso, a diferença está na aplicação. Barras de direção trabalham em tração e compressão, a flexão dela é irrelevante (quem segura a flexão são as rótulas entre as bandejas e os pivôs, como vimos acima). Pode isso, porque somente temos esforços de tração e compressão ao longo da rosca, exatamente para isso que ela foi desenhada.

Então se pode usar terminal de direção, vamos a nossa figura 8, que mostra uma solução possível:
Fig. 08: Suspensão com 3 terminais de direção.

No exemplo acima, temos 3 terminais de direção. Como o terminal de direção pode ser usado sem restrições, então não tem problema em fazer assim, certo?

Errado. Se você acha que o desenho acima é certo, então infelizmente não entendeu nada. Não é o tipo de terminal o problema. É a barra roscada do próprio terminal trabalhando em flexão que não deve ser usada.
Se você entendeu tudo o que está escrito acima, vai perceber que o terminal rotular com haste roscada está condenado para esta aplicação. Mas não está condenado para sempre. Veja um bom uso para ele:
Fig 9: Suspensão tipo swing axle, um bom uso de terminal rotular de esfera

A suspensão traseira do tipo swing axle usa uma barra de tração. Como o nome diz, essa barra será submetida a tração, e neste caso, não há flexão do terminal. É um caso de uso correto do terminal esférico.

Isso tudo entendido, chega de enrolação. Vamos aos finalmentes, como fazer o jeito certo.
O primeiro tipo de solução é este aqui, com o uso de um terminal rotular esférico, mas a rosca para montagem fica no corpo do próprio terminal

Fig 10: Exemplo certo desenhado

Você já entendeu o porquê de se conectar a manga a bandeja de suspensão dessa forma. Neste ponto do texto, isto TEM que te parecer natural. Se ainda não entendeu, releia o post anterior desta série.

Repare que no exemplo acima ainda temos uma pequena mudança na fixação da bandeja inferior no chassi. Aqui temos um eixo com buchas ao invés de um terminal rotular com rosca. O princípio é o mesmo: evitar que o terminal trabalhe em flexão. A bandeja superior mantém o desenho de uso de terminal rotular, e eu desenhei assim de propósito, seria a única situação que eu aceitaria numa competição de Baja ou Fórmula se a equipe tivesse um bom motivo para fazer assim.

E se você não entendeu porque a fixação da bandeja no chassi é assim, fica de lição de casa. Vai pensar um pouco e veja que realmente o projeto é mais refinado desta forma. Estou falando em resistência mecânica, não entro no mérito se o compliance da bucha de poliuretano com bissulfeto que vai dentro dessa fixação é melhor que a histerese provocada pelo atrito da esfera metálica dentro do terminal rotular. Aí é assunto pra outra conversa.

 E se você ainda acha que esta solução não vale a pena, então porque a Kawasaki usa isso nos seus quadriciclos?


Fig 11: Quadriciclo Kawasaki

 Aí você diz: “Tá, mas isso é pra carro off-road, meu negócio é pista. As cargas de frenagem altas não são suficientes para quebrar meu terminal.” Mesmo que isso fosse verdade, olha a bandeja inferior do Dallara F302 (Fórmula 3, modelo 2002):


Fig 12: Bandeja de suspensão dianteira inferior de um Dallara F3 (Retirada do manual da Dallara)

E esta é a única solução? E se eu quiser ainda ter um pouco de ajuste? Bom, aí fica um pouco mais complicado, mas é possível. Só é necessário usar plaquinhas de ajuste. Esses espaçadores ajudam, mas realmente fica bem mais limitado. É uma solução mais apropriada para os carros de fórmula, onde a precisão do ajuste faz enorme diferença. Tem projetos patenteados, que não posso publicar aqui. Mas o princípio da coisa eu posso:


Fig 13: Método de ajuste de cambagem.

Dependendo do projeto, dá até pra fazer outros ajustes. Olha, de novo, o exemplo do Dallara F302, como muda a altura do roll center:


Fig. 14: Regulagem de altura de roll center, manual do Dallara F302.

Estes são projetos comuns no mercado de competição, e existem alguns até mais simples do que isso. Tem gente que tem uma manga para cada geometria, e tem gente que consegue fazer tudo isso com poucas peças, usando as boas práticas da engenharia.


Espero que vocês tenham entendido o que está errado com os terminais rotulares em flexão, e o que pode ser feito para se arrumar isso. Bajeiros e formuleiros agora não tem mais desculpa: se aparecerem na competição com esse projeto, e sem uma boa justificativa, além de tomar nota baixa na avaliação, vão aprender um pouco sobre orelha puxada trabalhando em flexão... 

Rod End in Bending - Parte 1

Eu tive a ideia de fazer o Telecurso Zé Ruela por causa deste problema, e este post deveria ser o início da série. Mas como os posts de pneu já estavam prontos, acabaram entrando primeiro, e esses aqui ficaram na geladeira por anos Espero desovar mais telecursos meio acabados em breve.

Um terminal rotular trabalhando em flexão é um problema grave. E mais grave é que pelas fotos das últimas competições estudantis pelo Brasil, eu pude perceber que a coisa virou uma praga. Todo mundo está fazendo isso nos seus carros, e como parece ser uma solução elegante, virou meio que default. E os juízes devem coibir isso. Meu medo é que com os anos isso vire uma coisa normal, os juízes considerem isso normal, os estudantes se formam e vêem isso normal, e no dia que eu comprar um carro com isso, vou pessoalmente na fábrica chamar o engenheiro de burro.

Então vamos pro problema. Me desculpem os desenhos, mas desde que mudei de trabalho não posso mais usar o Catia, e ficaram somente os desenhos na mão pra explicar as coisas. Mas melhor isso que nada, certo?

Deixa eu começar pelo começo: há muitos anos atrás, quando eu ainda participava de uma equipe de MINI BAJA (e olha que faz tempo que o termo mini baja não é mais usado), enchia o saco do Rato para que ele fizesse uma suspensão dianteira assim:
Fig. 1 – esquema em vista explodida de uma suspensão duplo A com erro em aplicação

Era o mundo perfeito: com essa suspensão dava pra ajustar cáster, câmber, convergência, e até um pouco de ajuste da bitola. Tudo poderia ser feito simplesmente rosqueando a mais ou a menos alguns terminais. E, atrasado no curso como sempre fui, não entendia porque ele não fazia essa suspensão.

Me formei, vi que isso era errado, mas confesso que não entendia direito o tal do REIB, ou Rod End In Bending. Traduzindo: Terminal rotular em flexão. Então, vou tentar ajudar a quem também não entende direito isso, pra ver se não acontece mais de eu encontrar essa praga nas competições.

Pra começar, vamos ver algumas das cargas que passam da manga para a bandeja. Essas cargas necessariamente passam pelos terminais, já que são o elo de ligação entre os dois componentes. Nesta figura temos a vista frontal de uma suspensão dianteira:

Fig. 02:  Momento fletor no terminal em vista frontal

Em azul, as cargas que entram vindas do solo, e em verde a reação do conjunto amortecedor/mola. Repare que mesmo que a reação esteja alinhada com o ponto de apoio, no terminal rotular ainda há uma flexão (em vermelho).

Isso foi em vista frontal, uma situação onde é mais crítico para carros off-road, apesar do desenho ser de um carro de pista. Agora vamos ver uma vista lateral, que é mais crítica para carros de asfalto (com um desenho de carro off-road, me perdoem):
Fig. 03:  Forças atuantes na manga em vistas lateral e superior

O que temos aqui são as cargas de frenagem, uma reação da pinça de freio sobre a manga. Isso gera um binário na manga, cuja reação é representada pelas setas azul e verde. Quem segura este movimento de girar a manga (e a pinça de freio) junto com a roda é a bandeja de suspensão. E essa carga passa pelos terminais rotulares. Na vista superior podemos ver como ocorre essa flexão do terminal. Pra facilitar, mostrei somente a carga sobre o terminal superior. Em verde, as cargas da manga, e em vermelho, a flexão.

Certo, e como resolver isso? Vamos ver primeiro a principal recomendação de como montar um terminal rotular em uma barra:

Fig 04: Boa prática da instalação da de um terminal rotular.

Reparem que a ponta do terminal está “enterrada” na barra (ou bucha) em pelo menos uma vez e meia o seu diâmetro. Isso é importante para que a transferência de carga seja gradual da rosca do terminal para a bucha da barra. Além disso, temos uma contraporca para manter a posição do terminal. Essa contraporca é importante, e acreditem, se ela ficar solta, a barra vai correr. Se o outro lado for uma rosca esquerda, aí pior ainda. Você com certeza vai perder a regulagem. É incrível como eu pego essas contraporcas soltas em inspeções, tanto pra SAE como para a CBA.

Aliás, um parêntese aqui. Muito cuidado com o torque aplicado nessa contraporca. Consultem sempre o manual do fabricante do terminal sobre o torque a ser aplicado. Torque de menos solta a porca. Torque demais cria uma tensão extra sobre a rosca do terminal, e com a tração a ser colocada na barra que já vai trabalhar a peça, pode haver a ruptura.

Vamos ver agora como acontece a quebra. Já vimos antes quais são as forças fletindo o terminal, então vamos olhar em mais detalhe como o ocorre a falha:

Fig 05: Terminal submetido a flexão

Claro que a imagem acima está exagerada. Mas as forças de flexão tendem a fazer isso. Acontece que a barra que está fletindo é uma rosca, um concentrador natural de tensão. O resultado é fácil: esforços cíclicos + concentrador de tensão = Fadiga acelerada. Com o tempo isso vai quebrar. Isso se não der azar de bater num morro, numa zebra, um esforço a mais vai provocar quebra imediata.

E o que fazer para evitar isso? Bom, eu posso evitar que o terminal flexione da maneira que está na figura acima, colocando porcas e arruelas, para que a barra fique próxima do início da rosca. Assim não vai ter problema, a maior parte da rosca vai estar apoiada. A figura abaixo dá uma ideia do que vai acontecer:

Fig. 06: Terminal com porcas apoiando a barra.

Ué, mas se a rosca está quase toda escondida, protegida, porque falhou? O que aconteceu? Lembre que o momento de flexão é o mesmo: o peso do carro não mudou, os pontos de apoio do amortecedor não mudaram, a geometria da suspensão também não, nem a manga. Portanto, as condições são as mesmas das figuras 02 e 03. A única coisa que mudou foi a contraporca extra para dar mais apoio. Antes, você tinha, vamos supor, 12 fios de rosca expostos, para fletir. A carga de flexão estava distribuída nesses fios. Agora, você tem 6 fios fletindo, e o momento de flexão é o mesmo. Resultado: vai quebrar mais rápido.

Se você tentar “juntar”a contraporca na cabeça do terminal, como no detalhe da figura acima, para evitar ao máximo o número de fios de rosca expostos, mesmo assim não vai adiantar. SEMPRE vai ter um fiozinho, uma entrada de rosca exposta, e é justamente ela que vai quebrar, porque toda a tensão estará nela. Não, essa solução não serve.

Novamente, o que fazer pra evitar isso? Tá fácil. A resposta vem na ponta da língua: É só colocar um terminal de diâmetro maior. Com uma área de seção maior, as tensões serão menores, e poderemos prolongar a vida em fadiga, certo?

NÃO.

Essa não é uma solução elegante. Aliás, é uma solução bem tosca, do ponto de vista de engenharia. Não interessa o diâmetro, a rosca continua lá, concentrando tensão, abrindo a trinca. Na verdade, ao colocar um terminal maior, você está adiando o problema, não resolvendo. Isso é errado. Não dá pra implementar essa solução num carro de rua. Ou pior, imaginem como seria em um caminhão. A manga e suas conexões são componentes críticos, cuja falha pode levar a sérios acidentes. Não dá pra brincar.

Mesmo se o aumento do diâmetro da rosca fosse uma solução viável, a pergunta seria: O quanto aumentar o diâmetro? Para um bom fator de segurança, seria necessário dobrar o diâmetro. Um juiz de design de Fórmula SAE ficaria muito bravo ao ouvir que a massa suspensa foi aumentada porque a equipe não sabia como resolver o problema...

Sendo realista, eu até concordo com a fabricação de uma bandeja com terminais em flexão, para fins de ajuste fino do carro. Você pode usar o terminal rotular trabalhando em flexão numa bandeja protótipo, e depois que o carro estiver ajustado, pegar as dimensões da bandeja, os ângulos da geometria de suspensão, e fabricar a bandeja definitiva. Eu daria um crédito para a equipe que fizesse isso e me contasse na competição. Seria uma forma válida de desenvolvimento de produto, o uso dessa bandeja-protótipo. O que não vale é aparecer na competição com uma bandeja dessa dizendo que é protótipo, e o carro de produção vai ser diferente.

Acho que nesse ponto já derrubei todos os argumentos para se usar isso comercialmente. E em uso estudantil também. Lembrem que Baja e FSAE são carros de recreação, que no projeto devem ser produzidos em massa para serem VENDIDOS ao mercado de recreação. E mais do que isso, a competição avalia PROJETOS DE ENGENHARIA.

Até aqui foi explicado o problema, o que está errado. No próximo post eu explico o que pode ser feito para se livrar do problema de uma maneira definitiva.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Zé Ruela dando dica na Copa

Eu li isso aqui e não aguentei. Tinha que contar um causo de muitos anos atrás.

Não lembro o ano, e um colega e eu fomos escalados para fazer a pista do enduro do Baja, em Interlagos. Nos deram 2 dias de máquina, e um tratorista cardíaco, que quase bateu as botas no meio da Curva do Sol. Na verdade, quem bateu as botas foram os cabos de fibra ótica da reta oposta, mas isso é assunto pra outro post.

O que interessa é que naquela época, a competição do Baja era 2 semanas antes do GP Brasil de F1. Naquela época, ainda não havia as frescuras de fechar o circuito 3 meses antes pra colocar a instalação no padrão FOM. Então entramos no terreno, ali no meio do mato, pra montar a pista. No final do segundo dia, estávamos com o cronograma meio estourado. Estávamos no trecho final, mas no final da tarde, um helicóptero da Globo ficava nos atrapalhando.

Eu não sei o que ele estava fazendo, se gravava imagens do Paddock, de alguma curva em especial, se analisava interferência de sinal, ou se estudava os ventos pra aproximação do heliponto na curva do Sargento. O fato é que ele estava muito próximo do chão, e com o barulho e o vento, nós não conseguíamos nos falar. Pior ainda seria passar a instrução para o velhote tratorista.

Aquilo realmente estava incomodando. Fomos aos trancos e barrancos finalizando a pista, até que chegamos numa clareira. O colega me chamou para o centro da clareira, e falou comigo: Vou dar um jeito nisso aqui.

Ficamos um tempo ali, no meio do nada observando o Globocop. De repente, quando a aeronave estava bem de frente pra nós, escutei uma praguejada habitual, seguida de um "Quer filmar, filma isso aqui, seus trouxas" (ou algo assim). Olho para o lado, e vejo uma situação comum no Tusca, mas inóspita no meio de Interlagos. A visão do helicóptero deve ter sido mais ou menos assim:


Não sei se o helicóptero conseguiu cumprir a sua missão, ou se se assustou com a visão. O fato é que segundos depois o helicóptero sumiu, e pudemos terminar o trabalho normalmente. Prefiro pensar que foi a segunda opção.

Portanto, uma dica ao Jorge Sampaoli, técnico da Seleção Chilena: Se o helicóptero da Globo voltar a pairar sobre o seu treino, você vai ter 22 motivos para mandar embora o intruso!

domingo, 22 de junho de 2014

Tem boné da Brabham?

Ok, essa aqui era um pedido antigo de alguns editores deste blog, que sempre queriam ir ao GP Brasil usando um boné da Brabham. O diacho é que ninguém conseguiu o logotipo antigo da Brabham, aquele da serpente.

Aí eu consegui, não perguntem como, uma foto do bico da Brabham do Piquet. A coisa ficou guardada pra quando desse fazer o desenho. Mas no mês passado, com a morte de Sir Jack Brabham, voltei com o projeto. Então taí:



Claro, coloquei uma marca d´água do Blog, e é uma versão mais rústica. Deu um trabalhão danado fazer isso e não vou dar de mão beijada pra qualquer um. Se algum Zé Ruela quiser o desenho pra fazer a camiseta ou boné pode pedir que eu mando por e-mail. Taí sugestões de como homenagear o velho Jack (e sacanear os ambulantes) no próximo GP Brasil:



Mas, é claro, antes de fazer, tem que pedir licença de uso de imagem pro Bernie... Ele ganha dinheiro da F1 até com equipe extinta!




quinta-feira, 12 de junho de 2014